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ÁFRICA DO SUL

Por Marilda Aparecida Correa*


O extremo sul da África foi povoado, há milhares de anos, por grupos khoi e san, caçadores e coletores, que ali deixaram sua marca e numerosas pinturas rupestres.

No início da Era Cristã, povos bantu empreenderam intensa migração através da África: conhecendo o ferro e tendo organizações sociais complexas, gradualmente avançaram para o sul e o oeste do continente, quase expulsando os khoi e san (hotentotes e bosquímanos) para as zonas mais pobres do deserto Kalahari.

Quanto aos europeus, tomaram contato com a região em 1487, quando o navegador português Bartolomeu Dias contornou o Cabo da Boa Esperança, região estratégica na rota comercial para as Índias, habitada por diversos grupos negros (xhosa, zulu, hotentotes, bosquímanos), a partir de então, região foi colonizada por imigrantes, holandeses em sua maioria; franceses e alemães começaram a chegar no século XVII: tais colonos brancos (chamados bôeres ou africânder), fixaram-se ali e desenvolveram cultura comum e idioma próprio, o africâner.

Em 1806, os ingleses tomaram a Cidade do Cabo e lutaram contra os negros e bôeres que, com os choques, migraram para o nordeste (A Grande Jornada) em 1836, onde fundaram duas repúblicas independentes: Transvaal e Estado Livre de Orange.

A descoberta de diamantes, em 1867, e do ouro, dezessete anos depois, iniciou a chamada “Revolução mineral”, o que permitiu crescimento econômico acompanhado de significativa imigração, mas que intensificou a subjugação dos povos autóctones e a guerra entre bôeres e britânicos.

Assim sendo, duas guerras surgiram entre os dois grupos: entre 1880 e 1881, os bôeres, valendo-se de técnicas de guerrilha, venceram; mas, os britânicos retornaram bastante reforçados em 1899 e a guerra foi por eles vencida, em 1902.

Sete anos depois, o chamado Ato da África do Sul de 1909 criou a União Sul Africana, implantada em 31 de maio do ano seguinte: este Ato impunha domínio britânico sobre as antigas colônias holandesas, bem como sobre as repúblicas do Estado Livre de Orange e do Transvaal.

A partir de 1911 a maioria branca, composta por africânders e descendentes de britânicos, promulgou uma série de leis que consolidaram seu poder sobre a população autóctone, majoritariamente negra; contra tais injustiças, os negros formaram, em 1912, o Congresso Nacional Africano (CNA), grupo de direitos civis que, de início, lutou contra o regime autoritário branco, mas assentado na política de não violência.

Entre as leis acima citadas, destaque-se a Lei de Terras, de 1913, que passou a impedir o acesso dos negros à propriedade e à participação política, obrigando-os a viver em zonas residenciais separadas dos brancos; casamentos e relações sexuais entre pessoas de grupos diferentes, tornaram-se crime.

Em 1931 a União, promulgando o Estatuto de Westminster, tornou-se independente do Reino Unido e, em, 1934, os partidos Sul-Africano e Nacional fundiram-se, formando o Partido Unido; mas, este se divide sobre a entrada da União na Segunda Guerra Mundial, como aliada ao Reino Unido, decisão a que os membros provindos do Partido Nacional se opuseram.

Em 1948 este Partido alcança a presidência do país e implanta o regime de apartheid, utilizando, como justificativa básica, a necessária liberdade de evolução social independente entre os grupos negros e brancos.

Quanto ao CNA, informe-se que foi liderado por Nelson Mandela que, em 1952, depois de ser forçado a desligar-se oficialmente do partido, liderou o programa de desobediência civil às leis racistas do apartheid.

Oito anos depois, a polícia matou sessenta e sete negros indefesos que participavam de uma manifestação: esta a chacina que se tornou conhecida como o Massacre de Shaperville, favela situada a 80 km de Johanesburgo; o fato provocou protestos no país e no exterior.

Como consequência, o CNA optou pela luta armada contra o governo branco, e foi declarado ilegal; além disso, Mandela foi preso dois anos depois.

A partir de então, o regime segregacionista tornou-se ainda mais intolerante e violento, chegando a definir territórios tribais chamados bantustões, ou seja: favelas artificiais, onde os negros eram classificados, separados em grupos étnicos e linguísticos, amontoados e confinados; o bantustão mais conhecido é o de Soweto onde, até hoje, há a maior aglomeração humana do país.

A partir de então, coube exclusivamente ao Ministro do Trabalho fixar o número de negros para trabalhar em cada região; mas, estes residiam em bairros separados e, na área de mineração, eram parte do próprio complexo mineiro.

Eles, em princípio, não podiam circular na zona europeia, onde precisavam

justificar sua presença, apresentando licença de trabalho (passaporte); nem mesmo durante a vigência do contrato sua família podia sair da reserva.

A distribuição de empregos foi definida por várias leis, sobretudo de 1953 a 1963: alguns setores foram interditados aos negros, que só trabalhavam em empregos abertos a eles até que o contrato expirasse, quando, obrigatoriamente, tinham de voltar à sua reserva tribal, conforme acima mencionado.

Como decorrência desta política segregacionista, as melhores terras pertenciam aos brancos, mestiços e asiáticos (indianos), nesta ordem, que praticavam cultura altamente racionalizada; já as terras onde viviam os negros, eram pouco férteis: a eles restou a prática da cultura de subsistência, que não era o bastante para manter toda a população.

Com o fim do império colonial português na África (1975) e a queda do governo de minoria branca na Rodésia, atual Zimbabwe (1980), o domínio branco na África do Sul entrou em crise e, assim começou, lentamente, o processo para acabar com o apartheid.

A comunidade internacional e a ONU (Organização das Nações Unidas) passaram a fazer pressão pelo fim da segregação e, acuado, o então presidente, Pietr Botha, aceitou fazer modificações; mas, manteve o essencial do regime; ao mesmo tempo, o mundo todo clamava pela liberdade de Nelson Mandela.

Muitas mudanças ocorreram com a posse de Frederik de Klerk, que não teve outra saída: condenar oficialmente o apartheid e libertar líderes políticos, entre os quais, Mandela.

A partir deste momento, outras conquistas foram obtidas: o CNA foi legalizado, de Klerk e Mandela receberam o Prêmio Nobel da Paz ( 1993), uma constituição não racial passou a vigorar, os negros conquistaram o direito ao voto e, em 1994, foram realizadas as primeiras eleições multirraciais no país, com vitória de Mandela, pelo CNA, como o primeiro presidente negro da África do Sul.

Após as eleições, foi aprovada a Lei de Direitos sobre a Terra, restituindo propriedades às famílias negras atingidas pela lei de 1913, que destinou 87% das propriedades do país à minoria branca.

Em 1996, todos os ministros do Partido Nacional foram substituídos por simpatizantes do CNA, em consequência da retirada do partido de Klerk do governo: a decisão do PN foi motivada pelo fato do partido discordar de alguns pontos da nova constituição, aprovada em maio de 1996.

Neste processo de mudanças foi criada, em 1995 e comandada pelo arcebispo

Desmond Tutu, a Comissão de Reconciliação e Verdade (CRV), com o fim de investigar e julgar crimes contra os direitos humanos praticados durante a vigência do apartheid; esta trabalhou até agosto de 1998, sem conseguir cumprir plenamente seu objetivo: reconciliar os cidadãos sul-africanos.

Pesquisas revelam que as mais de 7.000 confissões recebidas pela CRV, pioraram as relações raciais no país: destacam-se os depoimentos de cinco policiais brancos, que assumiram o assassinato do ativista negro Steve Biko em 1977; também o fato de que a ex-mulher do presidente, Winnie Mandela, com seu grupo de guarda-costas e colaboradores, ter sido responsabilizada por, pelo menos, seis assassinatos ocorridos entre 1988 e 1992.

O relatório final da CRV acusou de violação dos direitos humanos tanto autoridades do regime racista quanto do antiapartheid; Mandela se negou a decretar anistia geral para os acusados.

As eleições parlamentares de junho de 1999 foram vencidas pelo CNA, que obteve 266 cadeiras na Assembleia Nacional, apenas uma a menos que o necessário para atingir a maioria absoluta; o partido também ganhou cinco dos sete cargos legislativos provinciais.

O pleito realizou-se sem incidentes, e o resultado confirmou a escolha de Thabo Mbeki, indicado por Mandela, para ocupar a presidência do país.

Mbeki assumiu em 16 jun.1999, tendo, à frente, grandes desafios, entre os quais garantir a continuidade do regime democrático, reduzir as diferenças sociais entre brancos e negros e combater a epidemia de AIDS, que atingia cerca de 20% da força de trabalho sul-africana.

O governo de Mbeki adotou uma série de medidas batizadas de “ação afirmativa” para promover o desenvolvimento da maioria negra: a principal delas, aprovada em 1998, determinou que as empresas refletissem, em seus quadros, a composição racial e sexual da sociedade, contratando mais negros (70% da população), mulheres (45%) e deficientes físicos (5%).

Pelos padrões internacionais, a África do Sul não é um país pobre: está no pelotão intermediário, com bolsões de grande desenvolvimento; mas, enfrenta extremos de riqueza e de pobreza.

As muitas heranças tristes e distorcidas do apartheid refletem-se na atualidade, pois cidades como Joanesburgo e Cidade do Cabo têm ótima infraestrutura e redes de serviços; mas, quase um terço das residências do país não tem eletricidade e água encanada.

O país precisa de mais investimentos: a educação melhorou, mas é preciso ter empregos; a burguesia negra, embora solidária àquela maioria negra que trabalha informalmente nas ruas e feiras, comporta-se como a velha elite branca, porque acha que o governo é quem deve tomar atitudes para a mudança.

Contudo, pode-se observar que, enquanto em 1990, a maioria das pessoas em posições de gerência ou em cargos técnicos era branca, atualmente pelo menos metade dessas pessoas é negra.

Nelson Mandela, o maior líder

Nascido em 18 de julho de 1918 em Umtata, Transkkei, filho de família nobre da etnia xhosa, formou-se advogado. Ativista e político sul-africano, nome de maior projeção na luta contra o apartheid, foi um dos líderes do processo de negociação que conduziu a maioria negra ao poder; tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul.

Em 1944, ao lado de outros líderes, foi membro fundador da Liga da Juventude do Congresso Nacional Africano (CNA); cinco anos mais tarde, tornou-se secretário nacional desta organização.

Preso por traição em 1956, foi absolvido cinco anos depois; mas o massacre de Sharpeville (1960) levou Mandela a ajudar na fundação do braço armado do CNA; por isso, foi preso em 1962, sendo condenado a cinco anos. Mais tarde, em 1964, sua pena foi ampliada para perpétua.

Na prisão, Mandela assumiu o compromisso de nunca negar seus princípios políticos, atitude essa que sempre foi uma fonte de força para outros prisioneiros.

Durante os anos 70, recusou a oferta de revisão de pena e nos anos 80, rejeitou a oferta de liberdade se ficasse calado sobre as injustiças do governo; passados vinte e oito anos, Mandela foi libertado e reassumiu a liderança do CNA.

A partir de então, negociou a nova constituição com o governo de Frederik de Klerk, com quem dividiu o Prémio Nobel da Paz de 1993.

Após as primeiras eleições multirraciais no país, Mandela foi eleito presidente; no ano seguinte, 1994, o CNA tinha mais um desafio: “fazer uma África mais humana e com melhores condições de vida para a maioria da população: os negros.”

É o que está no horizonte deste longo caminho.



Ganhadores de Prêmios Nobel na África do Sul

Ano Ganhador Modalidade

1951 Max Teiler Fisiologia / Medicina

1960 Albert Luthuli Paz

1979 Allan M. Cormack Fisiologia / Medicina

1984 Desmond Tutu Paz

1991 Nadine Gordimer Literatura

1993 Nelson Mandela Paz Frederick de Klerk Paz

2002 Sydney Brenner Fisiologia / Medicina

2003 J. M. Coetzee Literatura

2013 Michael Levitt Química



BIBLIOGRAFIA


Barnand,Alan. Herdhes of Sothen Africa: comparative etnography of khoisan peoples, Athins, Ohio: Ohio University Press, 1992.

Isaac Schapira, The khoisan people of south África: bushmen and hottentoes, Londres: Routledge, 1963.

Davila, Jerry. Território e sociedade no mundo globalizado. Alabi,Lucci (org,). Ensino Médio 2: Saraiva, 2013. 3. ed.


*Licenciada em Geografia

Pesquisadora do

Núcleo de Cultura Afro-Brasileira – Nucab

da Universidade de Sorocaba - Uniso

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